31/03/20

Violência doméstica, confinamento e COVID-19

A violência doméstica (VD) é um problema social que ganhou uma particular visibilidade no século XXI, através da consciencialização da sociedade portuguesa para a importância do combate e prevenção deste fenómeno. Nessa senda, o legislador desenvolveu um esforço, sobretudo desde 1999, no sentido de sistematizar um quadro legal que correspondesse às necessidades das vítimas. O bem jurídico protegido no crime de VD abrange a integridade corporal, a saúde física e psíquica, admitindo-se que um comportamento singular bastará para integrar o crime quando assuma uma dimensão ofensiva da dignidade humana. A jurisprudência defende que o traço distintivo deste crime reside no facto de o tipo legal prever e punir condutas perpetradas por quem atue um domínio sobre a vítima, sobre a sua vida e/ou sobre a sua honra e/ou sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, tensão e subjugação, abrangendo a violência entre (ex)marido e (ex)mulher, entre (ex)namorados, relações extraconjugais, com ascendentes, descendentes, entre outros. 
relatório anual de monitorização da violência doméstica (SG-MAI, 2019) revela que em 2018 foram registadas 26.432 participações pela PSP e GNR. Em 31% dos casos as ocorrências foram presenciadas por menores. Em 2018, o mês em que se registaram mais ocorrências foi agosto e manteve-se a tendência para uma maior proporção de incidentes ao fim de semana. A maioria dos denunciados encontrava-se empregado e os problemas relacionados com o consumo de álcool estavam presentes em 34,3% dos casos e problemas relativos ao consumo de estupefacientes em 16,6%. Acresce que, do total de inquéritos de VD ocorridos entre 2012 e 2018 (71.752), 78,5% resultou em arquivamento e, em 2018, essa taxa situou-se nos 79,4% por falta de prova, sobretudo quando a vítima se recusa a depor, em particular porque estamos a falar de um crime que ocorre intramuros.
Com a pandemia do novo Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) – os cordões sanitários e a quarentena obrigatória – o lema em Portugal passou a ser “Ficar em casa é salvar vidas”, imperativo angustiante em particular num quadro de violência. O confinamento das famílias veio aumentar os incidentes-rastilho: um pouco por todo o mundo surgem relatos de aumento de tensão e violência entre casais, sugerindo-se a elaboração de planos de segurança, apesar de alguns estudos indicarem que, em situações extremas, a violência na intimidade pode diminuir, desde que o agressor consiga gerir a ansiedade e a frustração. O confinamento introduziu vários desafios nas interrelações humanas, em particular no contexto familiar. Em Portugal a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, em articulação com a CIG, difundiu um conjunto de conselhos de segurança para as vítimas, disponibilizando contactos e um endereço eletrónico de emergência, propondo algumas ideias para um plano de segurança.  
Assim, na conjuntura atual, “ficar em casa é salvar vidas” contudo, à luz dos dados mais recentes, a maior proximidade das pessoas (associada a factores como o consumo de álcool e o desemprego), por um período mais prolongado, potencia um quadro de violência. A Sociologia vai desenvolver um esforço no sentido de conseguir uma radiografia da realidade no pós-COVID-19 ou uma aproximação aos efeitos do confinamento nas vítimas (in)diretas, mas será um resultado (eventualmente) enviesado se tivermos em consideração o número de processos-crime arquivados por falta de prova. Esse balanço poderá ser feito, através das práticas observáveis, quando as crianças de hoje forem os adultos de amanhã. 
Nota: texto publicado na 5.ª edição do SOCIALiS, NESISCTE, Lisboa: Núcleo de Estudantes de Sociologia do ISCTE-IUL, 20 de maio de 2020, pp. 4-5.

20/03/20

Cibersegurança, literária e resiliência digital dos idosos

Poiares, Nuno (2019, "Cibersegurança, literária e resiliência digital dos idosos", Anuário JANUS 2018-2019: A dimensão externa da segurança interna, n.º 19, pp. 118-119, Lisboa; OBSERVARE-UAL. ISSN: 2183-4814.